No Brasil, 10% das crianças e adolescentes de 0 a 14 anos estão em situação de extrema pobreza, segundo dados do IBGE
por Maria Irenilda
Com 15 dias de escolas fechadas nas férias de julho, a angústia de Giovana Santos, 23, é o que os dois filhos vão comer – uma menina de 2 e um menino de 3. “Tem vez que não tem como a gente dar todas as refeições em casa que eles têm na creche, é complicado. Aí, você tem que se virar”, diz a mãe.
Nas férias escolares, sem a merenda, a alimentação dos filhos é uma preocupação para Giovana Santos – Foto: Fred Magno/ O TEMPO
E a preocupação tem fundamentos médicos. “Os 15 dias das férias de julho são suficientes para levar uma criança para uma desnutrição aguda”, alerta Ailton Cezário Alves Junior, especialista em combate à desnutrição infantil.
O médico explica que a falta de alimento em qualidade e quantidade adequadas provoca prejuízos no desenvolvimento, especialmente na primeira infância, de 0 a 5 anos.
“Acompanhamos uma criança de 3 anos e 2 meses, em Tiradentes. Em dezembro de 2022, quando estavam começando as férias na creche, ela pesava 11,3 kg e media 85,5 cm. No fim (após dois meses de recesso), pesava apenas 10 kg e só cresceu meio centímetro. Quer dizer que perdeu mais de 10% do seu peso corporal”, conta o médico, que é mestre e doutor em saúde da criança e do adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG.
O especialista explica que o primeiro sintoma da desnutrição infantil é a perda de peso, seguida da redução do ritmo de crescimento. “Quando a fome vem sobre a vida de uma criança, ela perde a barriguinha, emagrece. Mas, se essa fome fica crônica, também diminui a velocidade de crescimento até a criança parar de crescer”, explica.
Um relatório, de 2024, do Sistema de Vigilância Nutricional e Alimentar, do Ministério da Saúde, mostra que 10% das crianças brasileiras de 0 a 5 anos estão com a estatura abaixo da média para a faixa etária. A meta global é 2,5%.
“A estatura é um dos principais indicadores da saúde infantil. No adulto, ela é fortemente determinada pela genética, mas, em uma criança, é determinada pelo meio onde ela vive, o que ela come, se ela tem afeto, o horário em que ela dorme, se ela brinca”, explica Cezário. Daí a importância da alimentação escolar para a saúde e o desenvolvimento.
“A escola em países como o nosso exerce o efeito ‘buffer’, que é o efeito colchão. Em resumo, ela é um amortecedor, especialmente para as crianças mais vulneráveis, do impacto da fome, da desnutrição, da violência”, destaca o médico.
Um estudo do IBGE mostra que, em 2022, entre as pessoas de até 14 anos, 49,1% eram pobres e 10%, extremamente pobres.
Impacto no aprendizado
Segundo Cezário, a desnutrição afeta diretamente a capacidade de aprendizado da criança. O problema pode levar a lesões neurológicas e diminuir as habilidades socioemocionais e a inteligência emocional.
“São crianças que vão ficar mais tristes porque há uma maior chance de depressão, irritabilidade, transtornos de humor. Nossas crianças brasileiras nascem como borboletas e acabam entrando num casulo, em virtude da sua história na primeira infância de desnutrição crônica, de violência e desigualdade social”, afirma o médico.